28 de jul. de 2013

Caminhos


Eu leio com a inocente esperança. A esperança de ser algo mais. Das escrituras sagradas às coisas que chamam de obscenidades mundanas. Eu leio com esperança. Me sinto como a Papisa que a Igreja tentou apagar, me sinto como a Papisa observando a incoerência do altar sagrado. Altar construído com os roubos assassinos aos povos pagãos. Eu leio com esperança. Admiro as palavras dos homens e acho estranhas as palavras que dizem ser de Deus. Descrente? Jamais! Eu acho é que acredito em coisas demais. Pequenas interferências, incongruências. Ah, idolatria! Quanta imaturidade! Eu leio com esperança. Os homens de instintos animais, homens que matam em pleno cais. A Sagrada Bíblia, a Doutrina de Buda, O Livro dos Espíritos, Deus, a Deusa. O homem e suas dúvidas, seus desentendimentos. O Vaticano está sendo atacado por bombas.

27 de jul. de 2013

Raíza



"Algo de raiz, de profundidade até no nome. Olhos que falam uma língua antiga, língua que nenhum ser dos tempos atuais entenderia. Moça indecifrável, indecisa e perdida ao andar pelas ruas cheias, um rosto sério que parece sorrir quando o pensamento voa longe. Um quê de dor na expressão, um quê de amor na escuridão. Indecisa, corpo indeciso, alma flutuante. Ideias lindas, uma visão de mundo totalmente igualitária. Eu diria que você é um ser humano exemplar, mesmo que tenha toda essa tristeza na alma, mesmo que tenha os milhares de altos e baixos nessa vida complicada. Eu te entendo. Entendo teu pouco e enorme grande tempo de vida. Você é." 

Mesmo no meio de toda essa tristeza eu consegui sorrir com esse bilhetinho. Palavras dele, e ele mesmo colocava aspas. Ele que me conhecia tanto, que me amava tanto, ele que eu tanto amo. Amo, mas é dessa forma diferente que eu tenho de amar, de enxergar tudo. Alguns anos passaram, parece tanto tempo... Ele foi um refúgio, um pequeno lugar seguro no meio de todo esse caos. Ele foi o único que não me puxou para o fundo do poço, o único que se importava e que realmente me conhecia. Velhos tempos.

Forçada a mudar, forçada a assumir uma identidade que não me pertencia, forçada a ser uma alma habitando no corpo errado. Enfim, uma marionete em mãos erradas. Por fraqueza ou pura inocência, acabei aceitando, deixando-me levar. Um dia inteiro no consultório branco e disfarçadamente tranquilo, obrigada a contar tudo que eu não queria. Sentindo o gosto amargo de cada novo comprimido em fase experimental, lendo bulas e mais bulas, com medo dos efeitos colaterais. Diziam: "Tudo psicológico, excesso de psicologia. É fase e com o tempo passa." Tudo o que eles não sabiam é que eu me aceitava e me amava daquele jeito. A minha visão diferente do mundo, batizaram de depressão. É estranho de explicar, de certa forma é inexplicável. Mas aceitar o que se é, é perfeitamente normal. Aceitar e entender não são ações que a sociedade costuma ter.

Como um gay, uma lésbica, eu sofria e provava do gosto amargo do preconceito. Preconceito por carregar no meu peito uma dor triste, dor que eu aceito. O mesmo preconceito que a sociedade tem com os loucos. Tudo o que é diferente do dito "normal" é alvo do desprezo e da ignorância. Mais normal do que os padrões eram as minhas dores e meus pensamentos, que nasceram comigo e nunca foram padronizados por ninguém. E como uma pessoa diferente, eu era obrigada a me esconder com sorrisos falsos e falsas eram as minhas alegrias.

Ver tudo em preto e branco foi minha primeira escolha inconsciente. Às vezes eu via as coisas um pouco amareladas, como em um filtro do Photoshop. Mas isso também foi escolha minha. E, de repente, querendo deixar de lado minha pura inocência, fui descobrindo que meus valores não deveriam seguir os outros. Eu não deveria ser como um rio, indo sempre para a mesma direção. Nadar contra a correnteza foi minha escolha. Agora sei que tenho tudo em minhas mãos.

P.S.: Esses parágrafos são dedicados à Mi, que me deu a ideia de escrevê-los. E para todos os que sofrem ou já sofreram com a incompreensão alheia.

25 de jul. de 2013

Não vejo só poesia


Os cabelos que caem no ralo do banheiro são apenas pequenos sinais de morte. Outros fios virão e preencherão o espaço vazio. Os pingos que caem deveriam ser pequenos sinais de alegria para ti. A água que tira o teu cansaço deveria te fazer sorrir.

Que sabe, rezar no banheiro. Sentir a água caindo, gelada, te fazendo tremer. Meditar, agradecer. Agradecer por tudo o que você tem. Se arrepender, quem sabe? A água continua caindo e você deveria ser grato. Ainda há água no planeta, ainda há vida na nossa pequena Terra. A água cai no seu corpo transformado, corpo que já te fez chorar. Corpo magro adolescente, corpo um pouco modificado pela fase adulta, corpo totalmente transformado pela meia-idade. Nada com o que se preocupar, certo? As moças da televisão são apenas marionetes, escravas do tão conhecido padrão. Não há motivos para chorar, o tempo muda tudo o que atravessa o seu caminho. Isso deveria ser um sinal de gratidão.

Se arrepender, quem sabe? Melhor arrepender-se agora. Das mentiras, da brutalidade e falta de amor no coração. Você tinha dinheiro quando aquele senhor te implorou por alguma moeda. Você zombou dos dependentes químicos, disse que a culpa era unicamente deles. Mas você nunca passou fome, nunca foi espancado, nunca foi humilhado por ter nascido, jamais foi odiado pelos próprios pais, nunca precisou de um meio para escapar, jamais precisou ver luz em algum fim de túnel. Tudo está sob seus olhos, tudo está ao toque das tuas mãos.

A mulher que apanha, a criança que agoniza de fome, o homem que corta os pulsos. E você, um executivo bem sucedido, que nunca sentiu o estômago roncar sem ter alguns reais nos bolsos? E você, mulher de bancário rico, presa no próprio mundinho luxuoso? E você, rapaz mimado que chora por não ter o mais novo celular da Apple? E você, moça que quer estar dentro dos padrões da mídia, mesmo que perca a vida por causa disso? Você que não aceita as estrias, os seios pequenos, as coxas desproporcionais. Você que trata as mulheres como meros objetos, que usa a força para que a namorada faça o que você quer. Você que não pede o divórcio para o marido machista por causa da conta bancária dele.

Você que é gente comum e quer ser como os que aparecem na TV. Você que tem tudo oque precisa, mas quer o carro mais novo, a área mais nobre da cidade, o celular assinado pelo gênio da tecnologia, o computador mais fino do mercado. Vocês de olhos tapados e corações congelados: há uma família que é sua, mas você não os conhece, não sabe nem como é capaz de lembrar o nome deles. Há um céu estrelado, mas você não se dá o trabalho de olhar para cima. Há um pedinte solitário no chão que sempre te cumprimenta, mas você não pode perder o seu precioso tempo para respondê-lo.

Você, que é um dos "vocês" aqui citados: é hora de mudar!

Tudo o que você vê, bom o ruim, é o que você poderia ser.

21 de jul. de 2013

(des)amor

(Cena de Wuthering Heights <3)


P.S.: São cartas e bilhetes que eu acabei encontrando nesse domingo tedioso. Um amor que acabou não dando certo. Os sentimentos morrem e as palavras ficam. Lembrando: cartas de amor são ridículas.

***
E esse olhar que não me deixa? É, esses teus olhos caminham comigo, estão sempre na minha cola, me observando. Esses teus olhos me observam tanto que me envergonho. Teu cheiro também anda comigo enquanto eu caminho como um anjo livre pelas ruas. Sinto teu cheiro nos meus lençóis e me pergunto se estou enlouquecendo. Você jamais esteve entre meus lençóis, mas seu cheiro está aqui. E está em todo lugar.

Tua presença está sempre comigo. É como se você estivesse atrás de mim enquanto atravesso a rua, enquanto estou na fila do banco... Pena que as coisas não acontecem como nos meus sonhos. Eu espero que um dia aconteça. Queria que você me dissesse: "Você não me pega! só para me fazer correr feito louca no meio da rua e depois te alcançar, receber teu braço.  É, bem que nós poderíamos ser como crianças outra vez. Às vezes o amor sonha tanto que faz a alma ficar pura outra vez.

Sabe, no meio de toda essa incerteza ainda mora a minha esperança, que divide morada com meu amor. Confesso, eu tenho medo de que tudo isso não passe de um sonho bom, dolorido, mas bom. Dói muito pensar que um dia você irá se transformar em uma lembrança... Mas, fazer o quê? O amor tem dessas coisas.

***

Parece que foi hoje cedo que te vi com um livro nas mãos, totalmente concentrado. Coisa bonita de se ver. "O livro é o santo e a senha." E realmente é. Mas isso não aconteceu hoje cedo, aconteceu há dois meses atrás. Mas eu guardo tudo como se tivesse acontecido hoje de manhã, ou há alguns anos atrás.

Guardo as coisas pequenas, os detalhes. As coisas que ninguém lembraria. A primeira vez que te vi, a primeira vez que fomos apresentados. Disso você não lembra, rapaz. Na época eu amava outro, era outra. Tudo era diferente desse presente incerto.

Você foi entrando no meu pensamento, deixando marcas em todos os cantos. Depois apareceu na rua, na frente da minha casa, na cadeira da garagem, na calçada... Não posso olhar para estes lugares sem te enxergar. Se pelo menos eu te enxergasse apenas nos arredores da minha casa, mas eu também fiquei marcada com os teus abraços. Lembro de cada um deles, até contaria se não fossem tantos. Lembro dos sábados, domingos, sextas, segundas e terças. Lembro de todos os dias e de todas as palavras, de todos os gestos. Lembro de absolutamente tudo. Só quero saber se isso tudo continuará fazendo parte de um passado sem futuro.

***

Juro que eu queria te escrever um poema bonito ou um parágrafo bem caprichado. Queria te trazer para perto de mim outra vez, qualquer dia desses. Só para o fim de tarde ficar um pouco mais diferente, para ficar com rosto de brisa quente e hálito fresco. Queria esquecer teu cheiro e apagar todas as fotos. Apagar o brilho dos meus olhos e todos os sonhos que nem existiram. Apagar para parar de doer, sabe? Mas não dá para esquecer. Eu não desapego fácil das pessoas.

***

Essa é para você, que tem medo de tudo. Que tem medo dos anjos, do Diabo e de Deus. E o pior: tem medo de si mesmo. Sabe, eu queria que você adquirisse otimismo e confiança, nem que fosse na base da porrada. Mas não dá, que pena.

***

Já passaram tantos dias desde o nosso último abraço. Acho que você me apertou demais, sabe? Agora fiquei sentindo falta do (pouco) carinho que você deixou. Vê se sai de dentro das músicas, de dentro do cheiro dos perfumes. Desaparece dos solos das guitarras. Teu perfume ainda está naquele meu blusão lilás que eu vesti um mês atrás.

***

Você iria me comprar uma aliança. Agora eu que te pergunto: Para quê? Acho que não tenho vocação para amarras, minha única aliança é com a escrita. E mesmo assim, essa aliança é maior que meu dedo, vez ou outra cai. Você já foi tarde. Quanto tempo perdido. Repito minha pergunta: Para quê?

19 de jul. de 2013

Antidepressivo

Faço parte da geração que escreve coisas no computador. Me orgulhar? De quê? Por vezes depressiva, lendo livros depressivos para pensar na depressão. Que coisa mais estranha ter essa alma. Que coisa! (...)

Trilha sonora da madrugada:

18 de jul. de 2013

Depois do campo de batalha


Há muito tempo fui enganado. Eu era criança, meu pai me enganou e manipulou minha mente tão pura e inocente. Eu era um menino sensível, que gostava de todos os pequenos prazeres da infância, das comidas de minha avó; era também muito inteligente, escrevia pequenos poemas aos oito anos. Fui muito feliz quando criança, morando na capital de uma grande cidade e passando as férias no interior. Era tudo normal, eu poderia ter seguido qualquer profissão. Um bancário, músico, escritor, jornalista ou vendedor. Ah, como eu tenho vontade de zombar da minha inocência. Mas não posso culpar meu pai. A sociedade é igualmente culpada. Nós fomos inocentes. Agora sou um velho traumatizado, ferido, com um coração quase petrificado. Essas são as consequências de uma guerra.

Meus dezoito anos! Meu pai disse que seria um marco, um triunfo na minha vida! Nunca me apaixonei, não seria mais um daqueles soldados que vão servir o Exército e deixam partido o coração de uma moça. No meu quarto, apenas fotos de soldados, todos organizados e perfeitamente vestidos. Pareciam até com bonecos, de tão grande perfeição que demonstravam. Nunca soube ler as entrelinhas, eu seria como um daqueles em poucos meses. Em breve enfrentaria outros soldados, meu superior o nomearia como inimigo, só me restaria matá-lo. Era simples, era igual aos jogos de tiro que ganhei de aniversário.

Treinamentos, suor, determinação, força, estratégia. Zombaria, preconceito, ódio, frieza, manipulação, emboscadas, crucificação. Coragem, método, pontaria. Falta de sentimentos, de alma, de sensibilidade. Poeira, lama, suor, sangue, ferimentos, frio, gritos, tiros, morte.

Guerras estouravam por todos os lados. Todos os que eu julgava como pessoas boas eram demônios. Todos os velhinhos sorridentes e aparentemente ingênuos eram demônios. Demônios frios e calculistas surgiam de todos os lugares. Foi aterrorizante descobrir quem realmente eram os poderosos em quem o povo confiava. Foi aterrorizante descobrir todo o lamaçal que é o mundo. Na guerra eu fui ferido, vi meus amigos ficarem com sequelas eternas, vi amigos morrerem. Matei muitos, matei amigos de outros soldados. Mas eram inimigos, todos eram malditos imundos que eu deveria exterminar. Toda a perfeição dos soldados só morava em fotos. Era uma terra de loucos. Senti-me soldado do próprio Hitler, acho que todos nós éramos soldados dele. Tínhamos a mesma crueldade. Eu fazia as mesmas coisas de que me horrorizava. Fui apenas mais um bonequinho de chumbo das cópias de Hitler. Não vi beleza nenhuma nos campos de batalha. Voltei quase louco, traumatizado. Nunca conheci o amor, depois de tudo o que fiz e vi acontecer, desisti de ter sentimentos. Casei-me por obrigação, afinal, sempre fui brinquedo de meu pai. Nunca amei minha esposa, tive apenas um pequeno afeto pelos meus filhos, o mesmo que tenho pelos meus netos. Meus netos também inocentes, admiram as medalhas que ganhei. Só imagino o quão horrorizados eles ficarão ao saber que ao invés de um herói sem uma perna, sou um assassino. Um assassino que, após receber um uniforme calculadamente costurado, tem carta branca para matar.


15 de jul. de 2013

Tão incerto


Minha menina se chamará Lygia. Meu menino, Renato.

P.S.: Entenda quem quiser, quem conseguir.

Papai comprou uma máquina de matar


Que bonito, papai comprou um carro. Ele é todo coberto de couro por dentro e tem uma buzina muito chata. Já que sou menino muito pequeno, não sei bem o que ele faz. O tal carro é algo que muitos desejam e nem todos podem ter. Ontem eu vi um menino como eu, com os pais, em um carrinho feito com geladeiras velhas. Os pais pareciam cansados e o menino muito triste. Todos eles estavam sujos. Eu sou um menino branco que toma banho várias e várias vezes por dia. E aquele menino não tem essa oportunidade. Eu perguntei ao meu pai por que eles sofriam tanto, ele não soube responder. Mas algo me diz que ele sabia, só não quis me dizer.

Na semana passada vi um acidente em uma avenida. Muitos meninos corriam alegres na direção da câmera que tudo filmava. Riam e faziam sinais que eu não consegui entender. Eu caminhava com a minha mãe e a perguntei sobre o porquê de tanta alegria. Ela me disse que aqueles meninos pulavam de alegria porque eles iriam passar na televisão. Continuei sem entender. Tinha uma moça esticada no chão, com muito sangue saindo da cabeça. Só não vi mais coisas porque minha mãe disse que eu não poderia ver aquilo. Muitos diziam que ela estava morta, só que eu não sabia muito bem o que significava estar morto. Na escolinha me disseram que é quando uma pessoa passa a morar nas estrelas e nunca mais vemos quem morreu. Achei muito triste toda aquela alegria estranha. A moça que foi morar nas estrelas é uma desconhecida para mim, mas eu não gostaria que meus pais fossem morar nas estrelas. Acho que aquela moça também deveria ter um pai e uma mãe, assim como eu. E foi um carro parecido com o do meu pai que fez todo aquele estrago.

Depois de ver vários acidentes acontecendo, fiquei com medo. A televisão só mostra meninos rindo ao redor de uma pessoa que está ali, mas que já está morando nas estrelas. A pessoa esticada no chão desaparecerá para sempre. E eram sempre os carros que matavam aquelas pessoas. Meu pai disse que teria cuidado, que nunca machucaria ninguém. Como meu pai é um pai melhor que todos os outros pais eu fiquei despreocupado.

Um dia precisei ir ao hospital onde tia Carmem trabalha, papai foi deixá-la, já que ela não chegaria no horário se fosse de ônibus. Ela é uma enfermeira muito competente, foi o que mamãe me contou. Sem querer, tia Carmem esqueceu a carteira dentro do carro e papai pediu para que eu corresse para devolver a carteira. Corri bem rápido e consegui alcançar tia Carmem, que já estava dentro da recepção. Fiquei muito assustado quando vi várias pessoas sentadas e deitadas no chão, todas gemiam de dor. Alguns pediram a ajuda da minha tia, mas ela disse que nada poderia fazer, todas as vagas estavam ocupadas. Voltei para o carro e nada perguntei ao meu pai, ele não gosta de responder algumas das perguntas que faço.

Sem querer, ouvi meus pais conversando numa tarde de domingo. Papai parecia preocupado. Ele disse que gastaria muito com o conserto do carro, logo de um carro tão novo. E ainda perderia alguns pontos na carteira. E a família do menino ainda iria querer dinheiro para pagar os médicos. O que mais o preocupava era o estrago feito no seu carro tão novo, tão atual. Só depois entendi que papai quase matou um menino, o atropelou enquanto ele brincava na rua.

Fiquei decepcionado, papai me disse que jamais machucaria alguém. O que mais me doeu foi que ele não se preocupava com o menino, só com o carro. O carro tão novo, tão bonito, tão azul. Papai comprou uma máquina de ferir, uma máquina de matar. E agora, ao ver os dois que eram tão bonitos, só consigo entristecer. Agora, mamãe e eu estamos tristes por causa de tudo que acontece. Papai só consegue se preocupar com o carro.


13 de jul. de 2013

Pela janela


Janelas. Uma pulseira shambala com o símbolo da paz, paz que eu peço em meio ao caos. Parece que não cumpro o meu papel nessa peça mal feita. O caos, a ausência de alguém para amar. O rádio toca, eu canto. Mas não sigo os conselhos da música. O mundo passa, os meninos brincam. Os meninos que não sabem se comerão algo no jantar, os meninos que vivem entre drogas e armas. Meninos que não conhecem outra realidade. Me sinto inútil quando só vejo o mundo através de uma janela. Os apartamentos acesos parecem tão solitários. Lá dentro eu só teria como companhia os pelos do meu corpo arrepiados pelo frio. O mundo é tão grande e somos tão pequenos. Estar dentro de um carro e não poder chorar dói. "Estude-se e liberte-se." Dizia uma pichação praticamente escondida por rabiscos. As pessoas estão mudando. Eu prendi alguns poucos olhares ao meu. E as perguntas me martelavam o coração. Não tenho amor para cuidar, nem nada certo para dizer. Não sei de nada do mundo, todos acham que eu tenho que saber. Sou apenas uma criança grande, com uma fragilidade anormal. Um olhar doce e uma alma flutuante. Eu continuei como simples telespectadora da vida, através daquela janela. Tão cheia e tão vazia. A alma cheia de dor, dor que dói pelo vazio e se despedaça entre energias infinitas. Sou tantas pessoas em um mesmo dia. Mas continuo sempre tentando decifrar a alma das outras pessoas, não me conformo com os olhares ou sorrisos abertos. É tudo tão simples e tão complexo. Eu vejo além, só esqueço de ser além do que eu sou. A alma ganha asas e cria voz quando estamos entre o sono e o mundo real.

9 de jul. de 2013

Sensações da alma


Quem é aquela moça que te olha e não diz nada? Quem é ela que deseja e não expressa? Quem é essa moça que tudo sente e quase nada diz? Quem é a moça que sabe mais do que o que aparenta? Por que ela escreve? Pra quem ela canta? Será que é preciso tanta complexidade? É só um embolar de sentimentos, de sensações. A sensação de viver sempre da mesma coisa. Talvez seja tudo igual. Acho que nada é diferente. É só falta de amor, e de ter quem amar.


7 de jul. de 2013

Denise



Refletido no espelho, o olhar sensual. Olhar que já hipnotizou demais outros olhares. E dentro do quarto cheio, só a solidão preenche o vazio. Preenche os cantos habitados apenas pela poeira. E o olhar de nada lhe servia. Na verdade, tudo o que sentia era uma grande falta. Falta de algo, de alguém. Tudo era sempre monótono e repetitivo. Todos iam embora, todos conseguiam suas desculpas, só ela parecia ser sentimental. E junto com a  solidão ela fumava um cigarro na janela. Sentou-se na janela, sem medo algum. Era só o primeiro andar, uma queda não seria fatal. Já tonta de fome, ela fumava o cigarro e não sentia coragem de ir até a cozinha para comer algo. Era um desânimo que agora aparecia com uma certa frequência.

Fosfeno. Ofegante. Tosse. Vento. Fumaça. Sopro. Fome. Saudade. Solidão. Falta. Vento. Sopro.

Falta da companhia que nunca existiu. De nada adiantava a sensibilidade. Não adiantava a capacidade de escrever versos e sonetos. Era inútil. Uma moça que foi criada acreditando em princesas. Sua mãe era tão inocente, seu pai era tão distante. Mas tivera a companhia deles em todos os dias de sol, em todos os dias de chuva de sua infância. E também da adolescência. Um pai ciumento e uma mãe ingênua. Foi tudo tão rápido. De repente ela já estava morando sozinha e os pais mortos. Há muito tempo os dois dormiam na paz daquele silencioso cemitério. Acidente de carro. Maldito acidente. Passado, passado. Já passou, voou para longe e agora está tudo muito distante. Agora era apenas a solidão. Os pais não poderiam mais atender suas ligações, nem iriam ler suas cartas. Sua letra apressada de quem escreve feliz, dizendo: "Mãe, tenho um namorado. Estou tão feliz. Ele é o que você chamaria de um bom rapaz. Tentarei ir aí com ele no fim do ano." Depois a caligrafia era caprichosa e demasiadamente legível. Estava triste. Mas disse que assim escreveria melhor.

E agora, naquela janela. Deitada como quem não está ali. Apenas um corpo sem alma. A alma agora viajava em terras distantes e estranhas. Depois de voltar, via que a rua estava movimentada e que não era muito seguro ficar ali. O vento soprava sereno e frio. Como um abraço que alguém nos dá e que nunca mais desaparece. A noite continuava, reinava. Na vitrola, um disco de música clássica. Na vitrola, uma vã tentativa de conseguir calma e força. O cigarro já estava pequeno demais e a carteira com outros cigarros também estava longe demais. O telefone não tocava, não queria que tocasse. E ao mesmo tempo queria. Tudo tão estranho. Os livros ali, amontoados, e nenhuma coragem de ler. A música rolava. A rua agora estava bem mais calma, a madrugada começava. Todas as lojas já estavam fechadas e as lanchonetes fecharam um pouco depois da meia-noite. Agora os pobres empregados guardavam as últimas mesas, daqui a pouco a rua voltaria ao que ela achava normal. A calma silenciosa da falta de pessoas por ali. Depois de virar o rosto para soprar a fumaça, Denise viu que um homem a observava na casa da frente. Estremeceu, mas estava fraca demais para ter medo. Deslizou a perna já dormente pela lateral da janela. Fumava, fumava. A fome finalmente passou. Já passavam das duas e ela continuava na janela, um lugar nada confortável. O homem continuava observando a figura da mulher que volta e meia esticava as longas pernas.

Era linda. Juliano já não aguentava apenas olhar. Continuava linda, da mesma forma de quinze anos atrás. Ela me viu e continua lá. Não sei se ainda me reconhece, se ainda me...

Denise deixava que o pensamento voasse. Lembrou que há algumas semanas havia sonhado com Juliano, ele estava estranho, com o rosto todo marcado. Mas ela o beijava como nunca havia feito. Um sonho. E por longos meses ele a odiou. Era a única que o rejeitara. E sem ela, o mundo dele desmoronou. Tornou-se apenas mais um rapaz como os outros. A carteira de cigarros já estava pela metade, quando Denise ouviu alguém chamar baixinho o seu nome. Era Juliano, lá embaixo. Era ele que a observava, ainda bem. Quinze anos se passaram, mas ele tinha a mesma voz, o mesmo cheiro. Um amor não realizado. Ela não disse muito. Apenas jogou a chave do apartamento para ele e o mandou subir. No tempo em que ele subia o lance de escadas, Denise foi tirando as várias blusas que vestiu para mascarar o frio. Agora a chave já abria a porta. Juliano a chamou, ela respondeu apenas para que ele conseguisse achar o quarto através da sua voz.

Não era hora de falar. Não preciso de explicações. O frio já não existia. O passado queria retornar, mas ele já existia. Juliano queria falar sobre o passado. Denise resolveu que a melhor hora para realizar o passado era agora. E o apartamento silencioso, encheu-se dos primitivos sons do amor só agora realizado.

2 de jul. de 2013

Natália



Natália vivia da ficção, com passos leves e vestidos com uma leve transparência. Parecia vestir a própria alma. Era triste por si mesma, por causa de todas as outras almas tristes. Tudo ia e voltava, tudo. "Tudo". Era um ciclo vicioso de aceitação. Era magra, disfarçava sua magreza com a fragilidade. Os olhos sempre diziam algo mais. Seu olhar sempre prendia o olhar dos outros. Parecia necessitar de outros olhares presos ao seu. Era mania, rotina. O ciclo vicioso continuava com seus vícios. Ela também tinha os seus vícios. Ou não poderia ter?

Natália, era sempre tão triste. Incompreendida. Toda a tristeza do mundo parecia morar nela. Ali, naquele corpo que ia e vinha. Lágrimas rolavam pela face dela, todos diziam que ela chorava sem motivo algum.

Os cabelos ao vento e o violão nas costas. A alma frágil parecia forte, mesmo que triste. Roupas negras e sem transparência banhavam o corpo frágil, ela parecia emanar uma força extrema. O calor do sol parecia com o calor dela. Ela estava em um processo de luto sem mortos. Me olhava com tamanha força, com aquele par de olhos castanhos.

Alguns dias depois ela estava com um vestido branco. Prendeu meu olhar no olhar dela, parecia decidida. Estava lendo um de seus livros, mas parecia tão decidida. Mudava de expressão conforme os acontecimentos do livro. Era um dia frio. E na parada de ônibus, apenas nós dois. Depois de alguns minutos, o ônibus que ela esperava chegou. Natália pegou sua bolsa e deixou no banco da parada seu livro. Me olhou com aqueles olhos castanhos. Eu até levantei para entregar-lhe o livro. Mas ela sorriu. Foi a primeira vez que eu a vi sorrir. Pensei que ela estava deixando aquele livro comigo e que depois eu a entregaria. Afinal, sempre nos esbarrávamos na rua da casa dela. O livro tinha um marcador na última página, nele estava escrito: "Os sonhos vêm e os sonhos vão. E o resto é imperfeito". Por anos a esperei, quis encontrá-la. Ficou em mim a imagem do seu sorriso naquele dia frio e o olhar sempre prendendo outros olhares. Era um tipo de sedução estranha. Por anos a vi voltar naquele seu vestido branco para pegar o livro.

Aquele dia frio foi o último. Nunca mais a vi.